Ano de 2001. A rede de canal fechado HBO, já com a série The
Sopranos no ar desde 1999, série ganhadora de vários prêmios Emmy,
decide lançar ao ar mais uma de suas produções originais: Six Feet
Under.
No final da década de 90 e começo dos anos 2000, a HBO iria
apresentar um novo modelo de seriados para televisão, apresentando
duas séries, Oz, iniciada em 1997, e a já citada, The Sopranos. O
que elas teriam de diferente com relação as séries já existentes
nesse período? O canal investe em temporadas para as suas séries
com número de episódios menores, 12 episódios, em média, com
duração de aproximadamente 1 hora cada, produções com qualidade
de cinema, e, o fundamental: elaborar roteiros com histórias
complexas, personagens com profundidades psicológicas
impressionantes, além de retratar certos assuntos de forma polêmica
para os padrões da televisão à época, como por exemplo, como é
retratada a comunidade italo-americana em Sopranos, e a forma como
nos é mostrado o cotidiano em uma prisão de segurança máxima no
seriado Oz. E você me pergunta, o que Six Feet Under tem a ver com
isso? Tudo.
|
Nathaniel Fisher Jr. |
Coincidência que Six Feet Under, uma série que fala sobre os vivos
tentando lhe dar com os mortos que aparecem na abertura de cada
episódio e ao longo deles, fazendo com que esses personagens,
psicologicamente abalados pela morte inesperada do patriarca da
família, tivesse sua estréia na TV dois meses antes da queda das
torres gêmeas? Olhando em retrospectiva, não. Nesse contexto, o
seriado, de forma mórbida, e com um pouco de humor negro, uma das
características principais da série, de forma simbólica, pôde
representar o sentimento de toda uma nação naquele singular período
de 2001: o pai e provedor da família, dono de uma funerária, que
morre inesperadamente num acidente de carro indo buscar o filho para
um jantar de natal em família, não poderia ser representado na
figura do World Trade Center, ícone do capitalismo americano, que,
por meio de um inesperado ataque terrorista, foi destruído, deixando
uma nação perplexa com a perda de um de seus maiores ícones
econômicos, além, é claro, de ter causado a morte de milhares de
pessoas que trabalhavam no conjunto de prédios, deixando assim, um
país abalado tanto emocionalmente com a perda de entes da família,
como abalados também economicamente? Sim.
|
Nathaniel Fisher e Nathaniel Fisher Jr.
Reencontro de pai e filho após a morte |
Dentro
desse contexto, a série rapidamente conseguiu conquistar os corações
e mentes dos americanos, emocionalmente abalados pela perda de vários
entes queridos, e, agora, tendo que passar por uma situação
semelhante aos personagens da série, que viram toda a sua estrutura
sólida ruir com a morte de Nathaniel
Fisher
(Richard Jenkins), o
dono da empresa funerária Fisher
& Sons Funeral Home. Assim,
cada personagem, com uma problemática específica e muito bem
elaborada ao longo das 5 temporadas, se veem numa posição de, com a
morte do pai, numa situação contraditória,
imediatamente, se
veem na obrigatoriedade de ter uma posição ativa com relação ao
rumo de suas próprias
vidas,
assim como o que ocorreu com a sociedade norte americana. Vamos
enterrar nosso mortos e seguir em frente ou apenas continuar nos
lamentando pelos atentados ocorridos? Vamos nos
lamentar pela perda econômica
ocorrida ou nos reinventarmos
para
colocar os negócios de volta aos trilhos?
|
Keith Charles, David Fisher e
Ruth Fisher no enterro do marido. |
Nesse
tocante, a série ainda conseguiu ir além, pois, com esse momento de
sensibilidade maior, temas como homossexualidade, por meio do
personagem David
James "Dave" Fisher
(Michael C. Hall, que viria a interpretar o assassino em série em
Dexter alguns anos depois), o filho do meio, sério, comedido e
conservador, puderam vir a tona e repensados, não só pelo próprio
personagem, pois, após a morte do pai, e com a chegada do irmão
pródigo, Nathaniel Samuel “Nate” Fisher Jr. (Peter
Krause), Dave começa a se questionar se ainda vale a pena esconder
de seus familiares sobre a sua posição sexual, questionamento esse
feito inclusive pelo seu namorado policial negro, Keith Charles
(Mathew St. Patrick), esse argumentando que não haveria mais motivos
para Dave não se assumir como homossexual, uma vez que, com a morte
de Nataniel Fisher, esse era o momento ideal para se assumir para a
família, uma vez que ele, junto com Nate, se tornaram os chefes do
negócio da funerária em casa.
|
Brenda Chenowith, esposa de
Dave. |
Um
outro tema recorrente na série, além de polêmico, é a questão do
matrimônio, fidelidade. Nathaniel
Samuel “Nate” Fisher Jr. (Peter
Krause), tem
um relacionamento conturbado com Brenda
Chenowith (Rachel
Griffiths), uma recém conhecida durante
a
viagem de avião que
o levaria de encontro a família. Enquanto seu pai estava a caminho,
de carro, Nate e Brenda, que mal tinham acabado de se conhecer, se
enfiavam dentro
de
uma
sala em um
anexo
no aeroporto e
começam a transar, enquanto o pai de Nate morria. Isso causaria em
Nate um sentimento de culpa? Não. Esse relacionamento, iniciado de
forma impulsiva entre Nate e Brenda será sustentado ao longo de toda
a série, mostrando todas as suas nuances, de forma verdadeira, desde
os momentos mais apaixonados, até os momentos em que o tema
infidelidade se torna o ponto principal da relação entre o casal. A
constituição e problemática da família tradicional, que é sim já
é um tema fundamental na série, aqui passar a ganhar novas nuances,
pois, com o problema da infidelidade dos dois, o
próprio irmão mais novo, Dave, se vê as voltas com o desejo de
trair seu namorado, Keith, além de a mãe da família, resignada,
recatada e extremamente religiosa, Ruth Fisher (Frances
Conroy), por incentivo do próprio Nate, para choque de
todos, admite que também chegou a trair seu marido, Nataniel. A
mensagem é: não há verdades absolutas, e para isso que a série
despertou a mente dos americanos e todos os espectadores da série
num momento tão delicado.
|
Federico Diaz
(Freddy Rodríguez),
o embalsamador da
funerária e
homem de confiança
da família.
|
Dentro desse
preceito, de que não há verdades absolutas, se Dave toma conta dos
negócios, ao passo que tenta assumir sua homossexualidade, Nate é o
que tentará colocar os nervos da família no lugar, com todos esses
novos acontecimentos, a descoberta da homossexualidade do irmão, o
sentimento de culpa da mãe por ter traído o marido, e que, na
terceira idade irá começar a descobrir alguns prazeres da vida que
não tinha enquanto casada, em favor de se mostrar uma dedicada mãe
de família, prazeres esses como uso de drogas, encontros românticos
com desconhecidos e luais regados a litros de álcool.
|
Dave e Claire Fisher, o casal de
irmãos mais adorado da série. |
Por último, não
podemos deixar de citar aqui a irmã caçula da família, Clair
Fisher (Lauren Ambrose). Perceber a evolução dessa personagem na
série é algo tocante, pois, nunca foi mostrado em nenhum programa
de TV já feito até hoje, de forma tão verdadeira, a difícil e
estranha fase de transição ocorrida da adolescência para a fase
adulta. As turmas na escola, o uso de drogas, os relacionamentos, a
indecisão sobre qual carreira seguir, a dificuldade de aceitação
nos grupos diferentes ao seu ponto de vista, a negação da família,
até que, em certo momento da série, todos esses problemas vão se
solucionado, uma adolescente insegura, vai se afirmando e aceitando a
fase adulta, assim como os a própria família vai amadurecendo após
a perda do patriarca. Claire se descobre no mundo das artes, se
afirma em sua área de atuação, primeiramente, dentro de seu curso
superior, e depois dora dele, já no ambiente profissional, já como
mulher, no final da série vemos que a adolescente frágil ficou para
trás.
Por fim, a série
termina como começou, com a morte de um personagem, mas aí, cinco
temporadas após os atentados de 11 de setembro, as cicatrizes da dor
da perda de milhares de pessoas já estavam curadas, e Six Feet Under
pôde nos fazer olhar a morte por uma outra perspectiva: de que é
ela não é o fim, é apenas o começo de uma nova história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário