sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Notívagos

história baseada no quadro “Notívagos” - 1942, do pintor americano Edward Hopper




- Oi.
- Oi.
Não se sabe ao certo quanto tempo levou até ela tomar a iniciativa, disse novamente:
- Oi, esperando que dessa vez ele olhasse.
- Oi, ele respondeu, dessa vez demonstrando um pouco mais de interesse, mas ainda sem se virar para ela.
Estavam dentro de um bar localizado num cruzamento de ruas movimentadas, porém, pelo horário já tardio da noite, não se via movimento nenhum na rua, que era iluminada por uma luz meio opaca vindo de algum poste ali por perto. A faxada do bar era toda de vidro, qualquer um que passasse pela calçada poderia ver o lado de dentro: um balcão triangular, dentro dele um garçom. De frente para o garçom, um homem e uma mulher, ele, usando roupa social e um chapéu, ela, batom e vestido vermelho, cabelos loiros. Do lado oposto a eles no balcão, um outro homem também usando roupas sociais e tomando café, completamente indiferente aos outros no bar.
- Oi, ela falou novamente, arqueando um pouco a sobrancelha e olhando para a ponta da unha do dedo médio esquerdo. Eles estavam muito próximos um do outro, a cena soava quase como um flerte.
- Oi, ele respondeu, olhando para um ponto fixo do lado de fora do bar.
Lá fora parecia que nada poderia quebrar o silêncio daquela noite que pretendia ser mais uma como todas as outras, e na verdade seria mesmo. Quem passasse pela calçada do bar naquele exato momento, teria o sentimento de que o tempo ali tivesse sido congelado.
- Por que você veio aqui? Ela perguntou.
- Bem, você me pergunta isso todas as noites não é?
- É, mas é engraçado...
- O que é engraçado?
- É engraçado porque a cada vez você sempre responde uma coisa diferente, então, por que você veio aqui?
- Você tem razão, é por isso que nossas vindas aqui tornam esse café tão interessante. Eu escrevo.
- Sobre o quê? Ontem você disse que fazia quadros, ela disse, e riu.
- Ora, pensei que você fosse mais observadora, nós estamos dentro de um quadro, eu o terminei de pintar ontem, ocorre que hoje estou escrevendo sobre ele.
- E onde está o papel então?
- Garçom! ele disse, ao passo que o garçom, que estava lavando alguns copos na pia repentinamente o atendeu:
- Sim, pois não? Num tom cordial.
- Você teria um papel e caneta?
- Sim senhor, aqui está, pegando um bloco de papel e uma caneta de tinta azul que estavam próximo ao caixa.
- Obrigado. Agora, você vê que essa mulher não acredita que estamos dentro de um quadro?
O garçom que já ia se virando para a pia para voltar aos seus afazeres, se volta ao homem usando terno, fitando com um ar curioso, e diz:
- Bem senhor, nem todos tem uma capacidade de observação tão aguçada não acha? Nesse momento, ele olha para a mulher com vestido vermelho - que por sua vez parecia não ter notado as últimas palavras do garçom, e continua – Talvez a senhora não tenha notado que ontem, esse outro homem de terno, desse outro lado do balcão, não estivesse aqui - o homem ao qual o garçom se referiu, ao ser mencionado não teve nenhuma reação, continuou tomando seu café.
- Não, não estava mesmo, ela concordou, porém sem mostrar nenhum espanto ou inquietação, dessa vez olhando para a ponta da unha do dedo médio da mão direita.
- Logo, veja bem que a pergunta que a senhora fez a esse senhor ao seu lado se faz necessária todas as noites, e creio que os dois vem aqui todos os dias justamente pelos mesmo motivos.
- E quais seriam esses motivos? Ela pergunta, e pela primeira vez olhando nos olhos do garçom, com uma curiosidade sincera, porém não acreditando que ele soubesse a resposta. Ele, por sua vez, se aproxima dela e num tom muito carismático responde:
- Pelo motivo de que todo quadro necessita de personagens não é? Só assim poderia se criar uma boa história...
Com um leve aceno de cabeça a mulher concorda, e nesse momento, o homem de terno, como se ele mesmo tivesse acabado de escrever a sua própria história particular, guarda o bloco de notas em seu bolso e vai em direção a porta de saída, ainda sem encarar o olhar da mulher ao seu lado, e, passando pela porta, atravessa a rua ao lado oposto do bar para seguir seu trajeto. A mulher de vestido vermelho, por sua vez, toma o último gole de conhaque em seu copo e também sai, segue pela calçada à direita.
O garçom, vendo que os dois últimos clientes saíram, apaga todas as luzes do bar, mudando a placa da porta para fechado, sai, a tranca pelo lado de fora e vai embora tomando o caminho da esquerda, dobrando a esquina, e quando olha pela última vez para dentro do bar pela faxada de vidro antes de continuar seu caminho, se dá conta de que o outro homem de terno havia ficado trancado no bar. O garçom para, observa o homem vendo as suas costas e pensa se é melhor voltar e convidá-lo a se retirar, mas percebendo que ele ainda não tinha terminado de tomar o seu café, achou melhor não o importunar, fez um leve gesto com os ombros continuou o seu caminho de volta para casa.





Quadro que já inspirou algumas cenas de filmes de cinema, principalmente os filmes do gênero 'noir', “Notívagos” é um dos quadros mais conhecidos do pintor Edward Hopper, falecido em 1967.
Vindo da geração de pintores do 'realismo', Hopper adicionava às suas imagens, elementos que pudessem trazer um certo distanciamento entre os elementos, causando uma sensação de isolamento entre os personagens, mesmo que em algumas situações eles estivessem próximos, como no quadro já citado acima.
Nele, temos o homem e a mulher sentados, porém, indiferentes um ao outro. Temos também o homem de frente para o casal e de costas para o espectador, com uma postura de quem não está se importando em nada com o que está ocorrendo ao redor, e por último, temos o balconista, que poderia representar a tímida tentativa do espectador de estabelecer algum contato visual com algum dos outros três personagens solitários na pintura. O fato de a luz dentro do bar ser o único ponto de luz no quadro inteiro, potencializa ainda mais a sensação de afastamento dos personagens do quadro com relação ao mundo exterior.
Assim, é que o pequeno conto acima dialoga com o quadro de Hopper: dois personagens que, mesmo se vendo todos os dias, não se conhecem, pois acabam sempre caindo no mesmo assunto, fazendo as mesmas perguntas, e sem manter nenhum tipo de contato visual; um homem sentado de frente para o casal, mas que não esboça nenhuma reação diante do diálogo dos outros três personagens e ainda acaba sendo deixado sozinho no bar depois de fechado e por último, o garçom, único que tenta manter um contato visual com o casal.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

BLUR + GORILLAZ + GRAHAM COXON + DAMON ALBARN


Tudo isso em apenas um show



Já fiz uma publicação em 2011 nesse mesmo blog sobre a banda BLUR, porém, devido a proximidade da vinda da banda para o Brasil para participar do Planeta Terra Festival, faço uma nova e merecida publicação.
Havia comentado que junto com Oasis, foi a banda que ajudou a trazer de volta o prestígio ao rock britânico em meados dos anos 90. Álbuns como Parklife (1994), com as canções Girls & Boys, Parklife e London Loves, vieram mostrar a irreverencia britânica sobre como fazer piadas sobre si mesmo, e mais tarde, o álbum 13 (1999), já com a onda britpop em decadência, veio mostrar a versatilidade da banda em produzir sons diferentes, uma fase, talvez nesse momento não mais inspirada pelo seu principal líder, Damon Albarn, mas sim pelo guitarrista Graham Coxon, utilizando muita distorção nas guitarras, uma sonoridade mais norte-americana.
Essa forma de se reinventar durante os anos fez parte do amadurecimento de cada integrante da banda, gerando projetos paralelos pela maioria deles, exceto pelo baterista Dave Rowntree, que durante o período em que a banda não esteve na ativa, se dedicou a trabalhar num escritório de advocacia.
Alex James, baixista, investiu na carreira de escritor, e em 2007 lançou um livro sobre a biografia da banda, "Bit of a BLUR", e atualmente também investe na carreira de cineasta dirigindo alguns curta-metragens.
Graham Coxon, guitarrista, após se desligar da banda, seguiu uma carreira solo de sucesso, com álbuns como Love Travels At Illegal Speeds (2006), com a música Standing On My Own Again e com o álbum The Spinning Top (2009), com a música Perfect Love.
Agora, bem, Damon Albarn, o quê dizer sobre Damon Albarn?! Uma figura que se tornou conhecida não só pelo imenso sucesso que fez com o BLUR nos anos 90, mas também por criar diversos projetos paralelos no meio musical, e diga-se de passagem, sempre projetos com parcerias de grande sucesso, exemplos não faltam:

- criador da banda Gorillaz, um grupo virtual, com sonoridade que mistura música eletrônica, hip hop

- criador em 2007 do projeto paralelo The Good, The Bad & The Queen, que conta nada mais nada menos com o ex-baixista do The Clash, Paul Simonon, ex-guitarrista do The Verve, Simon Tong e o baterista da banda Africa ‘70 de Fela Kuti, Tony Allen.

- tem participação no cd Heligoland (2010), do grupo de trip hop Massive Attack, na faixa Saturday Come Slow

- participação no cd Deltron 3030 (2000), do raper Deltron 3030, na faixa Time Keeps on Slipping

- cd solo em 2012, intitulado Dr. Dre um projeto que trás um sonoridade um tanto quanto diferente, parecendo que foi gravado com um grupo de monges tibetanos, trazendo canções como Apple Carts e Saturn

Por tudo isso, o BLUR, não é um grupo que ficou estacionado nos anos 90. O sucesso alcançado por cada membro do grupo permitiu que ouvessem desdobramentos de seu sucesso, sejam eles no cinema, na música, ou até mesmo na recente conciliação entre Damon Albarn e Noel Galagher, que recentemente cantou um dos maiores sucessos do grupo num show em Londres, diante de vários fãs emocionados. Liam, agora só falta você.
Parabéns BLUR. Parabéns Graham. Parabéns Dave. Parabéns Alex. Parabéns Damon! Aguarderei ansiosamente por esse show!


1 - PARKLIFE
Uma das principais músicas da banda que ajudou a alçar o álbum Parklife (1994), para o topo das paradas britânicas no mesmo ano em que o cd foi lançado e a consolidar o grupo como uma das principais bandas da década



2 - BEAGLE 2


Beagle foi o nome dado a um robo criado pelo serviço espacial europeu. Foi lançado no espaço e a ideia era que quando ele aterrizasse em Marte, em 2001, o primeiro sinal que enviaria à terra seria a música Beagle 2, criada pela banda justamente para esse intuito, porém ainda hoje se crê que o robo Beagle ainda está em órbita, e até agora nenhum retorno da música...



3 - SING

Música feita para integrar a trilha sonora do filme Trainspotting (1996), dirigido por Danny Boyle, diretor também de 127 Horas (2010) e Quem Quer Ser Um Milionário? (2008). Trainspotting quando lançado ajudou a fortalecer a cena musical brit pop, tendo pego várias bandas importantes desse período para também fazer parte da trilha do filme, como PULP, ELASTICA, PRIMAL SCREAM e o grupo de música eletrônica UNDERWORLD.




4 - TENDER (com participação emocionate de Noel Gallagher, ex-Oasis, que protagonizou a maior rivalidade de egos entre bandas da década de 90, cantando um dos maiores sucessos do BLUR)



5 - Gorillaz

DO YA THING

Clipe muito louco com uma figura verde estranha, porém simpática. Participação de Andre 3000 e James Murphy






6 - Graham Coxon

PERFECT LOVE





7 - The Good, The Bad & The Queen

THE GOOD, THE BAD & THE QUEEN




8 - Massive Attack (feat. Damon Albarn)

SATURDAY COME SLOW



9 - Deltron 3030 (feat. Damon Albarn)

TIME KEEPS ON SLIPPING



10 - A SLICE OF LIFE

Recente curta-metragem de Alex James, baixista da banda


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Os amores de Batista #2 - A ideia de Cecília



Batista tinha muitas ideias fixas, e umas delas era a ideia de Cecília. Não uma ideia criada por Cecília, mas a ideia em Cecília, ou talvez sim, a ideia de Cecília que foi plantada na cabeça de Pedro ou até mesmo Pedro que plantou a sua ideia em Cecília que por sua vez lhe devolveu a sua própria ideia. Quem sabe? a vida é assim, às vezes nos descobrimos naquilo que deixamos de ser, ou naquilo que passamos a ser a partir do que deixamos de existir, porém Cecília existia, mas com o tempo ela estava passando a existir cada vez menos, e de todas as ideias que sua cabeça estava engravidada, essa era a única que ele não queria realmente se desfazer.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Os amores de Batista #1 - A oratória de Tereza




Batista estava apaixonado, coitado! Porém sabia que isso era bom, afinal, cresceu sempre ouvindo de seus familiares as palavras de Jesus, que Jesus era amor, que Deus é amor, então quando se apaixonava ficava todo contente, mas logo desanimava, pois lembrava que ao contrario do Messias, ele não era muito bom com as palavras, era um rapaz que conservava muito amor dentro de si, e muitas pessoas ao passar nas ruas, só de vê-lo percebiam isso, que o rapaz tinha um bom coração, mas ele mesmo, o homem na hora de dizer que estava apaixonado por alguma mulher travava.
Contudo em certa uma ocasião, Batista começou a namorar uma moça. Seu nome era Tereza, moça de igreja, direita, correta, porém, dizia-se nos cultos que cruzava as pernas de uma forma um tanto quanto vulgar, o que atraía a atenção de outros homens casados e que por sua vez causava a ira das esposas destes. Certo dia ficaram aliviadas quando viram Tereza sentar ao lado de Batista, que suou frio quando viu Tereza dar aquela cruzada de pernas ao seu lado, e a saia, que já não era muito longa, ainda levantou um palmo acima do joelho, o que, considerando as circunstâncias já era muita coisa. Ao final do culto convidou Batista para ir orar em sua casa. O homem foi, e oraram e oralizaram a noite inteira e quando acordaram já estavam namorados.
Batista não precisou falar nada e assim como Deus criou os seres viventes sob o firmamento do céu e achou isso bom, Batista também achou achou isso muito bom de não ter de falar coisa alguma, pois Tereza era sempre quem falava tudo, sabia usar a boca como ninguém. O romance durou uns bem três meses sem que Tereza se importasse com o não falatório do namorado até que finalmente a mulher começou a se encher, tomava isso como um desaforo e passava cada vez menos tempo em casa e estranhamente, Batista, que não falava, com a falta de Tereza ficava incomodado pelo fato de não ter ninguém pra conversar, tomou a bíblia como companheira novamente.
Mas como não querendo perder a moça pro silêncio, um dia teve um plano: iria verbalizar até pelos cotovelos. Certa vez, quando ficou em casa sozinho pois Tereza disse que ia ficar o dia todo fora fazendo oratória para os irmãos da igreja, Batista sacou a bíblia e começou a selecionar as palavras mais bonitas do novo testamento para dizer a Terezinha quando chegasse, Batista era um homem de fé e sabia que as palavras do filho do homem não iriam lhe faltar nesse momento para tentar recuperar o seu amor. O homem leu em voz alta, em voz baixa, memorizou, decorou e fez acompanhamento do livro do Apocalipse até no violão, pensado: “essa noite não vai faltar assunto.” Anoiteceu e ficou ansioso só esperando a mulher chegar, até que quando deu onze horas da noite, alguém bate na porta, e ele já cansado, dá um salto do sofá, se ajeita rapidamente tentando recordar de tudo o que tinha lido pra logo disparar todas as palavras sobre ela. Mas quando abre a porta, surpresa! Rose, uma irmã da igreja está segurando Tereza pelos cabelos, o olho de sua namorada roxo.
- Tome a sua mulher! Dá próxima vez vá dizer pra ela fazer orações no inferno!
Batista entendeu o que tinha acontecido e nesse momento o único versículo da bíblia que conseguiu disparar sobre Tereza brutalmente foi: "Para o asno, forragem, chicote e carga; para o escravo, pão, correção e trabalho." Eclesiástico, capítulo 33, versículo 25. O tiro de palavra da boca saiu pela culatra, se ao menos não as utilizou para tratar Tereza com amor a tratou como um asno e como escrava, ao menos agora Batista ganhava vinte reais por cada homem que Tereza fazia uma oração, até o fim de sua vida. E foi assim que Batista, o filho de Deus se fez um homem de verdade!